Ser Presidiário é...

Não consigo combinar palavras capazes de traduzir a essência desta nação... Eu poderia usar a definição do dicionário (nação s. f. 1. Conjunto de indivíduos habituados aos mesmos usos, costumes e língua. 2. Estado que se governa por leis próprias), afinal, como diz um de nossos hinos, compartilhamos da mesma condição (a de presidiários) e vivemos sob nossas próprias leis (ao contrário e sem compromisso). Mas, ainda assim, seria insuficiente. A nação Presidiana, diferente do que possa aparentar, não nasceu da apologia ao álcool ou à transgressão, Ao Contrário, nasceu da alma poética de um homem que, justamente, por ver (e viver) a vida como uma eterna folia queria sim fazer apologia, não à subversão, mas à amizade, à celebração. “Presidiários Anônimos” é caricatura, é exagero, é a expressão bem humorada e descontraída da capacidade que temos de transformar um dia vazio numa grande festa. Creio ter sido este o ideal do nosso Eterno Presidente de Honra Zé Helder ao pôr, com a ajuda de seus companheiros, seu bloco na rua. E entendo ser a prova da nobreza e veracidade de tal ideal o fato de estarmos, há vinte e cinco anos, re-pondo o bloco na avenida e celebrando o que, verdadeiramente, nos re-une: a amizade e o abraço de Piedade.

por: 4362 - Aline Barra

quinta-feira, 11 de março de 2010


Entrevista com Zé Helder, presidente de honra do Bloco Caricato Presidiários Anônimos.





“Sonho ver todo o Rosário listrado de preto e branco.”




Iniciando as comemorações dos 25 anos no Bloco Caricato Presidiários Anônimos Sem Preconceito, entrevistamos seu presidente de honra, Zé Helder, 4321, fundador, boêmio e a essência da simbologia que emana das festividades do bloco. Nas linhas abaixo nós, integrantes e seguidores do bloco, somos agraciados com relatos sobre a idéia inicial e os primeiros anos, Alceu Valença, via sacra e, por fim, uma análise atual sobre a apologia ao álcool. Imperdível!

1) Zé Helder, ano que vem o bloco completa 25 anos de carnaval, qual o seu sentimento em relação a esta data?
Não esperava que o bloco continuasse por tanto tempo, sinto muita alegria em poder comemorar as bodas de prata do Bloco Caricato Presidiários Anônimos.

2) Qual era o propósito em 1986 quando resolveram criar o bloco?
Nessa época, existiam as escolas de samba que desfilavam aos domingos e terça, no sábado havia o bloco do pijama e segunda havia uma lacuna, queríamos então inventar algo para nos divertir. Após ter passado um carnaval em Olinda, me apaixonei pelo frevo e fiz algumas adaptações em um bloco de Alceu Valença chamado “Bicho maluco beleza” que descia a ladeira da Ribeira. O primeiro hino nasceu num balcão de pastelaria (bar do Alvinho, onde é o bar do Nem hoje), estávamos Mário, Evandro, Antônio Oscar e eu. A idéia central do bloco, era a de que, o presidente do presídio abre uma exceção e deixa os presos saírem na segunda de carnaval para se divertirem. O primeiro pano listrado foi comprado em São João Del Rei, uma peça inteira por uma mixaria, pois segundo o vendedor era um pano que não tinha saída, foi levado para uma costureira do Jardim que fez ao contrário, foi preciso desmanchar e fazer novamente as pressas, ficando as roupas cheias de remendos. Reuníamos no bar do Branca e descíamos o Rosário fazendo uma “via sacra”, ou seja, parávamos em todos os bares para beber pinga, quando chegávamos no bar do centro (bar do Nane) o Lúcio fazia uma chamada pelos números, aquele que não respondesse era levado para beber mais uma. A idéia dos números foi retirada dos irmãos metralhas, sendo de trás para frente, porque vivemos ao contrário. Os integrantes do primeiro desfile foram, José Helder (4321), Mário (4322), Herbert (4323). Tonho (4324), Evandro (4325), Renato (4326), Alex (4328), Juninho (4331). O Charlinho (4329) fez a roupa, só não saiu esse ano porque o avô dele morreu nesse dia. Os delegados foram Branca, Marco, Bré, Geraldo Tidu e seu cachorro.

3) Hoje, há entre os componentes do bloco, um sentimento maior que apenas um desfile carnavalesco. Existe uma identidade de amizade e princípios que norteiam os batizados. Você sente que os Presidiários é mais que um bloco caricato carnavalesco?
Sim, é porque durante esse período atingimos nossa identidade própria, parece que nos tornamos uma família, é até difícil explicar, mas não é só um bloco. Temos nosso estilo próprio, é uma bagunça, mas temos leis.

4) Quando nasceu a idéia do batismo?
Quando pessoas começaram a procurar com interesse em participar do bloco, fizemos uma reunião para definir como seria esse processo, ficando definido que se todos concordassem com a entrada de um novo integrante, este deveria beber um copo de pinga e descer o Rosário carregando a padiola com a pinga. Nessa época não fazíamos o churrasco e após beber a pinga era servido um almoço, que era arroz de forno, leitoa assada e tutu.

5) O bloco sempre preservou desfiles simples, exaltando apenas o comprometimento dos foliões com a cachaça venerada e bebida na padiola. Desde a comemoração dos 20 anos o foco tem sido em desfiles com carros alegóricos e ornamentação, qual a sua opinião sobre esta nova fase?
Não quero que vire uma escola de samba, mudanças são necessárias, infeliz quem não está aberto a mudanças, o que estiver ultrapassado é preciso renovar, mas sem perder nossa identidade. Não podemos criar apologia ao álcool, acho que está na hora de mudar o batismo, não podemos exigir que para ingressar no bloco seja necessário beber um copo cheio de pinga.

6) Qual a mensagem que você, presidente de honra, gostaria de deixar para todos os seguidores desta confraria?
Eu, 4321, desejo toda prosperidade para todos que são dessa família, inteligência, paz, saúde e que nunca se esqueçam dos nossos princípios. Que Deus tenha piedade de nós, não sei se acertei ou errei, só que foi feito para alegrar a segunda de carnaval.

7) Jose Helder, até onde vai o Bloco Caricato Presidiários Anônimos Sem Preconceito?
A minha vontade é a de que continue crescendo, sempre com transparência e igualdade. Sonho ver todo o Rosário listrado de preto e branco. Construir uma sede com os objetos que fazem parte da história do bloco.
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É isso aí Nação Presidiana, este é o espírito do bloco nesta comemoração dos 25 anos de amizade, carnaval e cachaça.

Gostaria de agradecer primeiramente nosso entrevistado, pela colaboração e pela honra. À Bárbara, pelo excelente trabalho de campo, viabilizando esta entrevista.

Finalizo com um citação do Zé Helder:

“Eu poderia perder tudo na minha vida, não sem dor; mas eu enlouqueceria se eu perdesse meus Presidiários Anônimos.” Zé Helder (adaptado de um poema de Vinicius de Moraes).

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